sábado, 4 de abril de 2009

De intelectual a Miss: A saga de Vera Fisha



RINDO PRA NÃO CHORAR

"Blumenau. Santa Catarina. Era noite. O ano, 1968.
Eu estava na cama lendo um livro de poesia... (Vera morava na casa do poeta
Lindolf Bell e conta que foi procurada à noite. Vestiu uma roupa e foi à porta, ver o que era)...

Cabelos bem curtinhos, óculos de grau, calças pretas, blusa de gola rulê preta e sapatilhas também pretas. Pronta para descer, eu estava sem a menor vontade de ver ou conversar com ninguém. Mas fui. Encontrei meu pai e minha mãe em companhia de três estranhos. Dois homens e uma mulher. Eram do jornal "A Nação". E tinham vindo me convidar para participar do concurso de Miss Blumenau.

Então eu, musa do existencialismo, era convidada para ser miss? Que afronta! Era só o que me faltava. Eu não tinha nenhuma pinta de miss. Eu era intelectual (pelo menos eu achava) e ser miss seria uma desonraEu quase morri. O quê?! Então eu, musa do existencialismo, era convidada para ser miss? Que afronta! Era só o que me faltava. Eu não tinha nenhuma pinta de miss. Eu era intelectual (pelo menos eu achava) e ser miss seria uma desonra. Eu tinha 16 anos e é claro que meus pais não deixaram.

– Ano que vem, quem sabe... – disseram. Mas mesmo que deixassem eu não aceitaria. Era contra os meus princípios. Mas fiquei com aquilo martelando a minha cabeça. Tinham colocado lá uma sementinha, e eu, sem ter muita consciência, a regava todos os dias.

Adorava filosofia, mas queria ser jornalista. Dessas jornalistas que vão ao campo de batalha, no meio da guerra; queria ser como a Oriana Fallaci. Se eu soubesse o que passavam...!"
Um ano depois...

"O convite para concorrer ao título de Miss Blumenau veio, evidentemente (através da Elenita), do jornal "A Nação". Meus pais disseram que agora, se eu quisesse, poderia aceitar. Desfilar de novo, me maquiar, me pentear, usar saltos altíssimos, roupas de miss... e enfrentar o povo.Mas alguma coisa na minha cabeça estava se formando (não sei o quê, então) e eu disse sim. Iria ser candidata pelo teatro Carlos Gomes.

À noite, eu pegava os maiôs da minha mãe (sim, porque eu só tinha biquínis e monoquínis) e ficava desfilando diante do espelho. Ai, ódio! Eu era cheinha, pernas grossas, e estava com pavor de ter que desfilar para a galera.
Pensava, refletia – vou desistir – miss tem que ser magra, elegante.

Eu já estava pronta para dizer que desistiria quando Elenita me contou que outros clubes não queriam concorrer. Eles não queriam apresentar nenhuma miss, porque sabiam que eu iria ganhar. Mas sabiam como? Bom, eles tiraram o cavalinho da chuva. Fiquei pasma! Foi uma surpresa e tanto para mim.

Fiquei até meio convencida, porque isto significava que me achavam mais bonita que as outras. Foi um alívio saber que eu não teria que desfilar novamente. Desfilar de maiô era o meu terror".


Fonte: Texto: Ego / Imagem: Humor Tadela